19.4.08

extravagante

segue um artigo que escrevi para a primeira edição da revista "adoradores" de 2008:

junto aos rios de babilônia, ali nos assentamos e nos pusemos a chorar, recordando-nos de sião. nos salgueiros que há no meio dela penduramos as nossas harpas, pois ali aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções; e os que nos atormentavam, que os alegrássemos, dizendo: cantai-nos um dos cânticos de sião. mas como entoaremos o cântico do Senhor em terra estrangeira? se eu me esquecer de ti, ó jerusalém, esqueça- se a minha destra da sua destreza. apegue se-me a língua ao céu da boca, se não me lembrar de ti, se eu não preferir jerusalém à minha maior alegria. lembra-te, Senhor, contra os edomitas, do dia de jerusalém, porque eles diziam: arrasai-a, arrasai-a até os seus alicerces. ah! filha de babilônia, devastadora; feliz aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós; feliz aquele que pegar em teus pequeninos e der com eles nas pedras. 
(Salmo 137)

adoração... o dicionário define esta palavra como “ato de adorar”, “culto a D-s” e “amor profundo”. muito poderia ser dito e muito tem sido falado a respeito desta palavra e os conceitos por detrás da mesma, o que me faz querer abordar este assunto à minha maneira. e é por isso que, como introdução, mesmo, transcrevi na íntegra o salmo 137, prorque este, como nenhum outro salmo da Bíblia, ressalta um aspecto que gostaria de abordar. 

todos nós conhecemos e achamos linda a maneira com que o salmista inicia seu cântico, a saudade da terra prometida e a indagação tão poética “como entoaremos o cântico do Senhor em terra estrangeira?”; menos conhecido de nós é seu final. um final perturbador para qualquer cristão da modernidade. especialmente curioso é que na septuaginta (que é a tradução do Antigo Testamento para o grego) a palavra que aqui está como “feliz” é a mesma utilizada por Jesus no sermão do monte ao dizer “bem-aventurados (felizes) os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus”. (matheus 5:3) 

será que é mesmo “feliz” ou “bem-aventurado” aquele que pega os pequeninos (em algumas traduções são os que ainda amamentam) dos edomitas e os esmagar nas pedras? 

muitos utilizam textos como este para fundamentar a crença de que o D-s do Antigo Testamento é diferente do D-s do Novo, que antes da cruz havia um D-s de justiça e somente após o calvário um D-s de Amor. mas a resposta é infinitamente mais simples e a ironia latente pelo fato deste salmista que dizia não poder cantar em terra estrangeira ter escrito este salmo bem ali, às margens dos rios de Babilônia, compõe parte desta resposta. 

temos aqui um servo de D-s que está sofrendo -e muito!- com o exílio. e quando a gente está sofrendo muito, nem sempre pensamos, dizemos e agimos como quando tudo está bem. maior exemplo disto é jó. se não fosse a intensidade de seu sofrimento, dificilmente D-s aceitaria e/ou responderia a alguns dos absurdos que ele disse. e é aqui que mora a beleza nisto tudo: D-s aceita o nosso louvor. o Espírito Santo traduz grunhidos inexprimíveis em um louvor digno de silenciar os mais santos anjos para que nossas falhas, desafinações... para que os nossos ruídos sejam ouvidos na sala do trono. 

em suma, nosso louvor é, de fato, nosso. nossos rabiscos de adoração são aceitos com Amor e ternura por um Pai que contempla a “grandiosa obra de arte” que sua filha de 3 anos -a menina de Seus olhos- lhe oferece. o “porém” é que vivemos em família; e em toda família inúmeras coisas podem e de fato acontecem quando a irmã mais nova faz um desenho pro Papai, especialmente se o Pai gosta tanto daquele desenho que pede para que seja emoldurado e pendurado na parede principal da casa. 

tem o irmão mais velho, que acabou de terminar a faculdade de artes plásticas, para quem aquele quadro infantil é uma afronta ao bom gosto e que chega a questionar se foi o Pai, mesmo, que o emoldurou e o colocou em evidência. e a pobre da criança perde a vontade de desenhar, assim que ela tem idade de reconhecer que aquele quadro não segue à risca a linha art nouveau

outro problema que ocorre com freqüência é o do irmão com 10 anos, que há tempos nem desenha e nem tem alguma de suas “obras” emoldurado, movido pela ambição, desenhar um quadro imitando até mesmo os traços do de sua irmãzinha, fornecendo, com esta bizarrice, o maior argumento para o irmão mais velho, uma vez que o primeiro quadro agora está servindo de padrão e referência para os que lhe seguem. 

mas o maior perigo reside para a própria menininha que, extasiada com a aprovação pública e inegável do Pai, começa a desenhar milhares de quadros idênticos ao primeiro e até sua idade adulta não muda traço nem cor, tema nem conteúdo ou abordagem de sua “arte”. 

surge, então a pergunta: o que foi que encheu de lárimas os olhos daquele Pai ao receber de sua filha aquele presente? com certeza não foi o fato dEle, através de telepática inspiração, ter ditado cada detalhe do mesmo (alguns pensam que a inspiração funciona assim), mas -e isto, sim!- o fato desta oferta original ter brotado do relacionamento único e intransferível entre os dois, Pai e filha. ela havia passado a tarde inteira pensando no Pai, e com carinho, com esmero, cuidado e atenção produzido genuinamente uma obra de arte. uma tarde para alguém com 60 anos pode parecer pouco, mas para uma criança na era controle-remoto é uma eternidade. 

quando D-s quer demonstrar o Seu Amor Ele cria uma galáxia inteira, Ele se prostra de joelhos no barro para dele fazer um boneco, Ele envia seu único filho para ser pregado num madeiro. nenhum ser jamais foi mais extravagante em Seu Amor do que o próprio D- s. e dadas as devidas proporções, é isto que Ele quer de nós: não mais do que somos capazes de fazer, mas nunca menos.

janeiro 2008

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